fevereiro 11, 2019

Sereno Regresso I

Sempre gostei do campo e da Natureza. Afinal, nasci em pleno Ribatejo, a uns 20 killometros da magnífica e sempre portuguesa Lezíria (e a propósito disso, ainda hei-de ter um Traje Ribatejano). Quando era miúdo carregava muito nos érres e tinha outras características fonéticas de quem nasceu e viveu no centro de Portugal.

Esta afinação foi marcante por dois grandes motivos.
O primeiro, porque o piano apenas tinha cinco oitavas e por isso leva o prémio para o piano vertical mais pequeno que alguma vez vi e afinei. Tecnicamente estava em muito mau estado, a máquina tinha já muitas insuficiências nas peças. O que é compreensível, considerando que o piano tem no mínimo uns 100 anos de idade. Uma relíquia, digamos. O trabalho que faço como afinador deve estar adaptado às condições que encontramos, porque não podemos afinar todos os pianos da mesma forma nem muito menos esperar os mesmos resultados em todos os pianos que existem (aconselho-vos a estudar um pouco a ciência por detrás do conceito Gestão de Expectativas). Não faço ideia sobre as décadas que passaram desde a última vez que o piano foi afinado, mas quando olhei para as cordas pensei imediatamente “...que Deus nosso Senhor vos livre e guarde de partir enquanto eu cá estiver!”. As cordas partem-se. É normal. E não há problema nenhum nisso quando o piano está em boas condições - o que claramente não era o caso.
Com todas as ferramentas e conhecimento que tinha, e sabendo que se esticassse as cordas para além da sua capacidade máxima actual de tensão, que as partiria a todas. E com isso em mente, decidi afinar o piano a 433 Hertz. Um piano das profundezas dirão vocês. Mas como o temperamento é algo virtualmente livre, considero que a afinar naquela frequência foi uma excentricidade.

O objectivo foi conseguido e o piano ficou mais ou menos equilibrado. Neste caso, era impossível aplicar uma afinação padrão, fazer um pitch raise inicial, e depois disso voltar a afinar para estabilizar. Era impraticável. E como o piano estava completamente desafinado (algumas notas estavam cinco tons abaixo!!!!!!), afiná-lo a uma frequência mais baixa mas mais produtiva, foi o mais certo a fazer. E os resultados foram bastante satisfatórios.

O segundo motivo está na segunda parte do texto.

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